
O Marrocos é uma lugar incrível. Já tinha ido à Casablanca alguns anos atrás com meus avós queridos, e deu pra ter uma ideia de como as coisas funcionam por lá. Mas como na ocasião estávamos fazendo um cruzeiro, a parada em cada lugar é bastante breve para o infinito de coisas que o Marrocos, especialmente, reserva. Desta vez o destino foi Marrakech, centro religioso e cultural do país. Fui com a Karla e a Marcela, amigas e brasileiras que vivem aqui em Barcelona, assim como eu.
Marrakech fica a somente duas horas do vôo de Barcelona, e isso é um pouco desconcertante, porque o curto espaço geográfico entre as duas cidades é inversamente proporcional à diferença cultural entre elas. Sair de uma centro moderno e organizado de uma certa maneira, como é Barcelona, e apenas duas horas depois estar em um lugar como o Marrocos, é uma legítima pancada na cabeça. Assim que chegamos, pegamos um ônibus do aeroporto até o centro de Marrakech, que custou 20 dirhams (= 2 euros), e descemos na entrada da praça Jemaa el-Fna. Às vezes acho que Deus ajuda os viajantes que descem de para-quedas em lugares que não conhecem e não sabem falar a língua local, porque são nessas situações, que tem tudo pra dar errado, pra nos perdermos, pra pararmos na parada errada que... tudo dá certo. Ok, só um comentário, voltando! Esta praça é muito famosa no Marrocos inteiro, e quem já esteve por lá sabe por que. É um lugar onde se entra e pensa “gente, tô no Marrocos!”. A praça, que é muito grande, abriga fenômenos excêntricos aos olhos ocidentais: mercado com comidas típicas expostas, infinitas barracas de suco de laranja (que por sinal, o melhor que já tomei em toda vida), encantadores de serpentes, macacos e seus donos, rodas de músicas típicas, dançarinos, crianças vendendo artesanatos, etc. As mulheres de burca e os homens de túnica impressionam na primeira vista, mas depois deixam de chamar tanto a atenção. O trânsito é algo excepcional: as motocicletas aparecem de todos os lado, em grande quantidade, e é uma loucura! São charretes para turistas, as tais motocicletas e até carros e vans passando pelos mesmos lugares onde pedestres caminham. Nem pense em andar com fones de ouvidos, pois o resultado pode não ser muito bom. Sinceramente, tive que me esforçar muito para não ser atropelada. Tem que estar atenta o tempo todo, e quando ouvir as buzinas, sair do caminho, porque não tem muito o que fazer.
Tivemos que pedir ajuda para chegar até o hostel, que era no estilo do que eles chamam de “Riad”. São aquelas construções que tem um pátio interno, e são realmente muito bonitos, como os do “O Clone” hihi! Na verdade, descobrimos que o hostel estava mais para Hotel do que qualquer outra coisa, pois ficamos em um quarto só para nós e com b-a-n=h-e-i-r-o p-r-ó-p-r-i-o. Acreditem, isso é incrível!
O centro comercial de Marrakech são os chamados “Zocos”. Labirintos de tendas e mais tendas, com os mais variados produtos da cultura local. Bolsas de couro coloridas, sapatilhas, calças, tecidos, caixinhas e objetos de madeira, lenços de todas as cores e tecidos, luminárias maravilhosas, peças de porcelana, e por aí vai. Vontade não faltou de comprar todas aquelas coisas diferentes e que só tem por lá mesmo, mas os limites da bagagem de mão da Ryanair dão um banho de água fria e colocam um freio no ímpeto consumista.
Como todos mais ou menos sabem, e que eu particularmente achei muito interessante, é que tudo, absolutamente tudo em Marrakech o preço pode ser negociado. Pechinchar é a palavra. Às vezes é divertido, e às vezes cansativo, pois uma negociação pode durar muito tempo, quando a vontade é só chegar e perguntar o preço para se ter uma ideia. Aconteceu um dia de eu ir embora da loja, pois o preço que o vendedor queria eu não estava disposta a pagar, e quando quase virei a esquina, ele gritou :“Ok, ok! Ya está!”. Levei a bolsa de 60 por 15 euros! E é assim, tem que se estar disposta a conversar, perguntar, negar, ser irônica, entrar no jogo. No início estava um pouco receosa com essa aproximação toda, que além de ser pouco comum, é potencializada pelo pré-conceito que temos com o povo muçulmano. Todos os pais aprovam (e com muito gosto) uma viagem de seus filhos para França ou Alemanha, mas África, e ainda por cima Marrocos?!? “É perigoso, são rígidos, os homens não respeitam, a cultura é impossível...” As falsas crenças estão por toda parte.
O que posso dizer a partir da minha experiência foi que vi um povo muito orgulhoso de ser quem é, e preocupado em desmistificar esta pré-impressão dos turistas. Fiz contato com gente interessante e bonita, que viveu uma vida completamente diferente da minha até aqui, e que exatamente por isso tem muito pra ensinar. Gente que acredita que um dia se libertarão do totalitarismo francês e assim poderão executar as leis políticas como pensam ser correto. Gente feliz, que gosta de fazer o que faz, que tem o dom do comércio. É claro que não é um conto de fadas, e que sem dúvidas é necessário ter cuidado, prudência, atenção e não ser ingênuo (o que eu penso que deveria ser inato em qualquer viajante, e não só para os que vão ao Marrocos). Os traços físicos diferentes chamam a atenção, sim, mas nada que qualquer mulher já não tenha escutado no centro de Porto Alegre.
O que acontece é que sempre me parece muito difícil, ou até errado, essa coisa de tentar classificar e generalizar as características de um povo, sejam elas boas ou ruins. Nunca concordei com as atribuições que frequentemente fazem ao povo brasileiro, como “trabalhador, receptivo, divertido” ou “corrupto, folgado, preguiçoso”, como se fosse realmente impossível as duas coisas coexistirem. Conheço gente com todas as características citadas, o que me faz pensar que, se veridicamente existem, os pontos em comum de uma população vão bem mais além que simples características de personalidade.
Noite no deserto
Tive que botar este assunto à parte, porque foi uma experiência muito, mas muito legal mesmo. Quem for a Marrakech não pode deixar de faze-lo.
Saí do centro de Marrakech às 7h, em uma Van com cerca de 12 pessoas. Um grupo muito legal, todos falavam espanhol. Se viaja o dia todo, e as paisagens são simplesmente deslumbrantes. Montanhas e mais montanhas de um terra seca, quase branca, muito estranha aos meus olhos. Nunca tinha visto. Passei pelo meio de povoados muito pequenos e tradicionais da cultura islâmica, quase que intocados pela globalização. Quando paramos em um destes para tirar fotos, muitas crianças vieram na nossa direção pedir canetas, pois elas não existem por lá. As casas são horizontalizadas, todas na cor laranja-tijolo, e o clima sempre muito seco.
Depois de muitas paradas e horas de estrada, chegamos ao nosso destino pela 18h, 19h. Os camelos estavam sob os cuidados de três homens jovens nativos, que estavam a nossa espera. Estes são homens que vivem suas vidas no deserto, cuidando dos animais, acordando cedo, e sabem muito sobre esse mundo tão diferente do meu. Enfim, o que posso dizer é que quase uma hora e meia em cima dos camelos bastaram para eu não sentir meu lindo traseiro. São bichinhos muito bonitos e queridos, mas realmente muito desconfortáveis com seu “balançado” ao caminhar.
Nosso acampamento já estava montado quando chegamos. Jantamos Tagine de frango com legumes e chá, em mesas baixinhas e sentados em perna-de-índio! Mais tarde, os meninos marroquinos cantaram e tocaram músicas locais em volta da fogueira, e foi realmente muito especial esse momento. Estar no meio da noite em pleno deserto, ouvindo tambores e com céu mais estrelado e bonito que eu já vi nestes 20 anos de existência, é uma experiência inacreditável.
Há quem diga que a cama era dura, que passou frio, ou ouviu passos durante a noite e ficou com medo. Eu deitei e capotei no mais profundo de mim, como não dormia há muito tempo.


